quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Pep inovador

Josep Guardiola, há pouco tempo, tornou-se o treinador mais vitorioso da história do Barcelona com 12 títulos oficiais conquistados (superou Cruyff, com 11). O atual técnico implantou um estilo de jogo que tornou o time catalão, praticamente, imbatível nas últimas temporadas e o exemplo mais radical dessa maneira de jogar foi visto pelo mundo na abertura do Campeonato Espanhol, quando o Barça derrotou o Villarreal por 5x0, atuando com diversos desfalques. Confira os gols:



Sem seus zagueiros, Piqué e Puyol, Guardiola optou por compor uma zaga utilizando Busquets, Mascherano e Abidal, o qual começou a carreira nesta posição, mas vem jogando como lateral-esquerdo. Os dois primeiros são volantes improvisados na função. Dessa maneira, os 11 titulares na ocasião foram: Valdés (goleiro), Abidal (zagueiro), Mascherano (meio-campo), Busquets (meio-campo), Fàbregas (meio-campo), Keita (meio-campo), Thiago Alcântara (meio-campo), Iniesta (meio campo), Pedro (atacante), Messi (atacante) e Aléxis Sánchez (atacante). A surpreendente escalação tornava quase impossível dizer em qual esquema o time seria formado dentro de campo.

Surpreso com a variabilidade tática do time catalão, procurei algumas análises a respeito desta partida e encontrei uma, em inglês, que me agradou muito. Baseado nela, falarei sobre os principais pontos que determinaram a inesperada goleada catalã. Quem quiser ler o texto original, clique aqui.

O jogo:

O Villarreal era apontado por muitos como um time capaz de criar grandes dificuldades ao Barcelona. A partida disputada na última temporada entre as duas equipes reforçava esse pensamento. Naquela ocasião, no Camp Nou, os donos da casa venceram por 3x1, mas o confronto foi muito equilibrado e teve chances de gol iguais para os dois lados. Naquele mesmo jogo, o Villarreal tinha idéia de como o Barça iria para o campo e tinha armado sua equipe para minimizar os pontos fortes do adversário. Desta vez, o Submarino Amarelo tentou fazer a mesma coisa.

Usando uma potencial crise na defesa por falta de jogadores, Guardiola apropriou-se de uma circuntância que causaria sérios problemas para grande parte dos clubes da elite européia e criou um sistema altamente dinâmico, capaz de superar a ausência de atletas cruciais. O novo estilo de jogo desenvolvido por Pep fez com que o Villarreal perde-se suas referências de como operar. O time amarelo era montado para neutralizar os pontos fortes do rival. Sem saber como o adversário jogaria, ficaram perdidos. Esse dinamismo mostrado pelos jogadores do Barcelona, possivelmente, não era visto desde Cruyff no Ajax.

Villarreal:

Para entender o resultado desta partida, é necessário entender, primeiramente, como funciona o esquema tático do Villarreal. Eles fazem uma mistura de 4-2-2-2 com 4-4-2 no ataque. A grande vantagem dos dois atacantes é o desenvolvimento das jogadas ser mais próximo do gol. No entanto, a utilização desses dois avançados significa um número menor de jogadores no meio-campo ou na defesa. Essa é uma das limitações do 4-4-2 (meio mais vulnerável). Procurando amenizar essa vulnerabilidade, foi desenvolvido o 4-2-2-2, o qual procura aumentar a ocupação do meio-campo, colocando os alas no interior. Dessa maneira que o Brasil de 1982, na Copa do Mundo, jogava. O sistema passou a ser uma referência no país.

Nota: Por essa razão, o Brasil tem produzido uma quantidade tão grande de laterais que buscam ocupar o flanco inteiro, nos últimos anos, como Daniel Alves, por exemplo. É dessa forma que ele atua no Barcelona. É uma consequência da influência do 4-2-2-2 no país.

Há, porém, uma fraqueza nessa tática. Ela pode ser tornar extremamente estreita, pois os únicos jogadores que estão nos flancos são os laterais, que precisam ocupá-lo por inteiro. Essa limitação torna-se uma deficiência no ataque, por falta de largura, e na defesa, pois, constantemente, criam-se lacunas e surgem jogadas de 1 contra 1 ou 2 contra 1 nos espaços deixados.

Para balancear os dois sistemas (4-4-2 e 4-2-2-2), o Villarreal procurou fazer um misto das duas táticas. Os dois alas movem-se para as posições interiores para controlar o meio-campo e quando necessário ampliam seu posicionamento novamente. Nota-se, ainda, que o meio-campista avançado da esquerda joga de forma mais ampla que o da direita.

O segundo ponto dessa estratégia é o posicionamento dos atacantes. No Villarreal, Nilmar e Rossi não jogam próximos. Eles jogam afastados, quase como alas, de forma que isolem os avançados mais habilidosas da marcação dos zagueiros e volantes adversários.

Essa maneira de atuar do Villarreal tem permitido que a equipe desenvolva superioridade numérica contra adversários que atuam em diferentes esquemas táticos, como 4-3-3 e 4-2-3-1. O posicionamento dos meias avançados e dos atacantes ainda evita que se tornem  extremamente estreitos. Quando necessário, um atacante (ambos jogam largo) sobe ao meio para compor os espaços deixados ou os meio-campistas abrem seu posicionamento.

É essa estratágia que tem resultado no sucesso amarelo nos duelos contra o Barcelona. A grande força do Barço tem sido o meio-campo. Congestionando esse setor, surge a dificuldade de criar jogadas de perigo. Observe na figura 1 como funciona o quadrado formado por Bruno, Marchena, Valero e Cani, envolvendo os barcelonistas Messi, Iniesta e Fàbregas. Nota-se, também, o posicionamento do meia-avançado na esquerda, um pouco mais aberto, como foi dito acima, constituindo um esquema assimétrico.


A limitação para o sistema do Villarreal, porém, é que ele pede aos seus dois meias avançados para jogar quase duas posições de uma só vez. Eles precisam ser meio-campistas centrais e alas. Acima, pode-se observar o posicionamento de Cani, que não consegue fechar, completamente, o quadrado no centro, pois precisa anular a ameaça que é deixar Thiago Alcântara livre. Os meias avançados precisam ser rápidos o suficiente para se movimentar do centro para os flancos e vice-versa, principalmente, na hora de defender. Cani, na figura, precisa se manter na posição que está para que Thiago não corra verticalmente em direção ao gol, criando uma situação de 1 contra 1, como já foi falado.



Na imagem acima, mais um exemplo do Villarreal tentando manter o formato no meio-campo. Dessa vez, para pressionar a saída de bola do adversário. Nessa imagem, a fraqueza tática do Villarreal é, claramente, evidenciada. Percebe-se que, no topo e na parte de baixo, ou seja, em ambos os flancos do campo, há jogadores do Barcelona livres, o que resulta do estreitamento do 4-2-2-2. Os meio-campistas avançados tem que correr longas distâncias (do centro para o flanco) para cumprir todas as tarefas táticas que são cobrados. Além do risco de fadiga, há grande chance de, em determinado momento, não serem capazes. Observe a distância de Cani para Alexis Sánchez, no topo.

Analisadas as fotos, pode-se dizer que o caminho mais fácil para bater o Villarreal é utilizar a largura e provocar o cansaço dos meias mais habilidosos e criativos, que são muito exigidos fisicamente, com essa formação. Sem Daniel Alves e Adriano, boas fontes de largura, como o Barcelona seria capaz de explorar tão bem os flancos?

Barcelona:

A maioria dos treinadores do mundo procuraria peças de reposição parecidas. Seguindo esse pensamento, os substitutos para Piqué e Puyol seriam os jovens Fontás e Bartra. Contudo, Guardiola não quis utilizar dois inexperientes defensores de imediato e deixou-os no banco de reservas. Ao anunciar quais seriam os titulares, a primeira pergunta feita por todos era a respeito do esquema tático que seria usado. Inútil. O futebol que o Barcelona demonstraria não era baseado em estruturas, mas sim em dinamismo.

1) 3-1-3-3
2) 3-4-3 com um losango no meio-campo
3) 3-2-2-3
4) 3-3-1-3


Todas essas eram formações possíveis, de acordo com os jogadores que estariam em campo. O Barcelona alinhou-se em todas elas e, ao mesmo tempo, em nenhuma delas. Guardiola levou seu estilo de jogo fluido e dinâmico ao extremo, tornando a formação tática como algo secundário.

Tomando o 3-4-3 losango como formação base, pode-se dizer que o esquema adotado pelo Barça foi atípico. O 3-4-3 corre para o mesmo problema do 4-2-2-2: pode torna-se estreito. Em uma tentativa dos meio-campistas se conectarem uns com os outros, eles tendem a se aproximar e afunilar no meio. No caso do Barcelona, isso não ocorreu. Eles jogavam colados à lateral e formavam um triângulo para atacar o Villarreal na sua principal fraqueza: a largura.

No futebol, o controle do espaço é fundamental para vencer. O que a maioria das equipes têm feito é enfatizar a forma como o time se dispõe dentro de campo, isto é, privilegiar o esquema tático (4-4-2, 4-2-2-2, 4-2-3-1, 3-5-2, etc...). Aí está o diferencial do Barcelona, implantado pelo atual treinador. Uma forma de redimensionar o espaço é ter a bola nos pés. Essa é a política de Guardiola. Por isso, o time de Pep sempre tem maior posse que o adversário e faz, diariamente, treinos para manter o domínio da mesma, como Daniel Alves já disse em entrevista. Com a bola, é possível controlar o espaço. O técnico catalão também faz usa de uma marcação pressionante, exatamente para recuperá-la.

Todo sistema, seja ele qual for, exige uma estrutura e uma dinâmica. Desde que assumiu o comando do Barcelona, o que Guardiola vem fazendo é libertar seu time de uma estrutura e aumentar o dinamismo. Foi o que ocorreu nesta partida. Perdeu-se os jogadores de trás, criou-se um problema estrutural, mas a maior fluidez permitiu que a dificuldade fosse superada. Ao invés de lançar os jovens reservas ao jogo e consertar, diretamente, a estrutura, Pep decidiu jogar mais dinamicamente usando a bola. Deu muito certo.

Javier Garrido acreditava que o Barcelona dependeria da sua estrutura (a que usou nos últimos confrontos), pensou que seu quadrado no meio-campo congestionaria o setor, criaria dificuldades para o desfalcado Barça, Nilmar e Rossi afastados isolariam os defensores barcelonistas. O que mais havia para fazer? Nada. O Barça de Guardiola parece anos à frente dos outros times. Tão à frente que se desprende de táticas.

Guardiola, em tempos de jogador, recebendo instruções do técnico Cruyff. O contato entre os dois justifica as influências táticas do holandês no atual trabalho desenvolvido por Pep no comando do Barcelona.
A impressão que Guardiola deixa e de já ter imaginado essa maneira de jogar há muito tempo. Aproveitou um momento em que não contaria com seus principais defensores para colocar em prática. Toda a filosofia de ter a bola nos pés e o estilo de marcação podem ser direcionados para uma forma de futebol há muito tempo não vista. Desde que jogava para Cruyff. Há uma grande coerência que liga todo o caminho do trabalho de Pep Guardiola até então.

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